Chaves da Formação #1: treinador do Coritiba, Fábio Pellanda discute desenvolvimento de talentos brasileiros

Lucas Torres entrevista técnico do clube paranaense para “desvendar” atributos que devem ser enfatizados na formação de jovens atletas

Fonte: Lucas Torres entrevista técnico do clube paranaense para “desvendar” atributos que devem ser enfatizados na formação de jovens atletas

Dono de uma população de 210 milhões de pessoas e de uma miscigenação genética propensa ao sucesso esportivo — como mostra os resultados expressivos ao longo da história de diferentes modalidades —, a despeito da falta de organização estrutural, o Brasil parece estar sempre a uma faísca de explodir como uma das potências do esporte mundial.

No voleibol, por exemplo, investimentos somados pela união da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) e Comitê Olímpico Brasileiro (COB) para a construção de uma das principais infraestruturas do planeta, fizeram das seleções canarinhas — masculina e feminina — as equipes mais dominantes do cenário internacional nas últimas duas décadas.

No entanto, enquanto o vôlei nacional ascendeu ao panteão da modalidade, o basquetebol tupiniquim — de vasta tradição ao longo do século XX — passou a viver seus piores momentos do ano 2000 para cá, sem sequer conseguir se classificar para os Jogos Olímpicos em consecutivas oportunidades.

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Embora ao olhar mais distraído o cenário brasileiro da bola laranja aparente ser de ‘terra arrasada’, basta um olhar mais atento para perceber que o terreno para uma retomada dos dias de relevância está fértil, pronto para florescer a partir de um trato mais cuidadoso dos responsáveis pela organização do esporte nacionalmente.

Algo que, a bem da verdade, já vem, aos poucos, acontecendo — haja vista o sucesso de iniciativas como o Novo Basquete Brasil (NBB) a Liga de Desenvolvimento de Basquete (LDB).
Além do sempre exaltado ‘material humano’ dos atletas brasileiros, uma força propulsora fundamental nesse cenário de retomada pode ser encontrada nos treinadores envolvidos com as categorias de base do país.

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São inúmeros os profissionais de profunda formação teórica, experiência prática e, tão importante quanto, uma postura quase-idealista quanto à superação das dificuldades diárias a fim de fomentar o desenvolvimento do esporte da melhor maneira possível.

Com o objetivo de dar voz a esses pilares do basquete nacional, reunimos 20 dos principais treinadores do país para um debate sobre a formação de atletas, discutindo os elementos que devem balizar os trabalhos de preparação de um garoto de categoria de base até sua chegada ao profissional.

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Nessa primeira edição, conversamos com o treinador Fábio Antonio Pellanda, treinador do Coritiba/Sociedade Thalia sub-22, que disputou a última LDB, e da equipe principal – participante do Campeonato Estadual Paranaense adulto.

Mestre pela UFPR, Pellanda dirige também as seleções de base do estado do Paraná e já passou pelas categorias sub-15, sub-17 e sub-18 da seleção brasileira, atuando como assistente técnico de uma geração que revelou nomes como Victão (Paulistano), Lucas Siewert (Universidade do Colorado, nos EUA) e Georginho (São Paulo), grande destaque da última edição do NBB.

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Fábio Pellanda comandou o Coritiba na última LDB. Equipe era a 8ª colocada antes da suspensão do torneio devido à pandemia do novo coronavírus

Entusiasta da modalidade, o treinador do Coritiba fez ainda intercâmbios fora do país, onde acompanhou treinamentos do Dallas Mavericks, equipe da NBA, e da universidade de ‘SMU’.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Central do Draft – De maneira geral, quais são os atributos primordiais para um atleta jovem com ambições de compor um grupo profissional?

Fábio Pellanda – Queremos jogadores com bom domínio dos fundamentos. Um trabalho de pés bem desenvolvido, boas tomadas de decisão e leitura de jogo na maneira com que ele vem sendo praticado nas melhores ligas do mundo. Obviamente, é importante também observar a capacidade atlética e a versatilidade para se jogar e defender em ao menos duas posições, além de aspectos como competitividade, persistência e ética de trabalho.

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Central do Draft – Descreva algumas das principais características que te chamam a atenção nos jovens jogadores de cada uma das posições.

Fábio Pellanda – Armadores: nessa posição, observo muito as questões da sua liderança, QI e visão de jogo. Somado a esses atributos, o armador precisa ter variação nos fundamentos de drible e passe, sem esquecer que essa posição ainda necessita de bom arremesso de três pontos e de drible, parada e jumpshot (pullup). Dentre as capacidades físicas, a velocidade e a explosão serão úteis tanto na defesa como no ataque. Por último, deixei a habilidade para se jogar o pick and roll, atribuição primordial para essa posição, na qual o armador precisa unir as capacidades técnicas, táticas e cognitivas.

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Alas-Armadores: a maneira como os espanhóis nomeiam a posição 2, de ala-armador, é por si só uma definição dessa função: escolta. Algumas características da posição de armador se repetem aqui, além dessa função de levar a bola, outras responsabilidades para esses atletas envolvem mais capacidades defensivas e de finalização. Sendo assim, atletas precisam ter habilidade para criar espaços para receberem a bola e também instinto para criar seu próprio arremesso.

Alas: dentre os alas, a posição 3 no basquete internacional, coloco que é uma grande lacuna no basquete brasileiro, já que não temos mais jogadores como Marquinhos do Flamengo, por exemplo. Falando dos atributos que se fazem necessários para essa posição, seriam eles: seu atletiscimo, defesa e capacidade de finalização — com destaque para a necessidade de um bom percentual de arremessos de três pontos —, variação nas bandejas e explosão para chegar bem no aro. Correr bem a quadra na transição é outra característica fundamental para a posição.

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Para o treinador do Coritiba, Marquinhos (Flamengo) é ‘modelo’ daquilo que se procura em um ala

 

Alas-Pivôs: talvez a posição que mais evoluiu ao longo dos anos, a posição de ala-pivô é um retrato de como o esporte se modificou em sua maneira de ser jogado pelas equipes. Essa posição necessita cada vez mais da versatilidade, saber atacar e defender tanto dentro como fora de garrafão – características que acredito serem fundamentais para que os jogadores tenham mais sucesso na posição. Penso que ser um bom arremessador de três pontos, adicionado a capacidade de realizar boas ações ofensivas com o armador em cenários de pick and roll e handoff, além de defender bem algumas trocas no jogo de dupla são também fatores que remetem ao sucesso de um atleta nessa posição.

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Pivôs: a versatilidade também chegou a essa posição, mas ainda são necessários algumas características comuns a ela independente da era em que o basquete é jogado. Estatura, força, instinto de pegar rebotes e dar tocos. Sendo assim ter um bom jogo de costas para cestas, fazer bons bloqueios no pick and roll, ser protetor do garrafão e boas mãos são fundamentais.

Central do Draft – Ainda nos atendo a uma ótica de divisão posicional, gostaria que você falasse um pouco sobre os atributos que são mais bem traduzidos da categoria de base para os profissionais. Quais os ‘denominadores comuns’ que te dão a segurança que um atleta de sucesso que atua em determinada posição na base irá repetir esse sucesso no próximo nível?

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Fábio Pellanda – Armadores: desde a base observamos a capacidade de liderança e as tomadas de decisões, claro que ser habilidoso é importante, mas desde cedo é possível ver esse instinto nos armadores.

Alas-Armadores: na posição de ala armador são aqueles jogadores que são mais agressivos, que correm bem a quadra e muitas vezes jogam de armadores na base, a defesa é outro atributo que se observa nesses jogadores, já que defendem o melhor jogador exterior nos jogos.

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Alas e Alas-Pivôs: observa-se muito o atleta que desde cedo possui um bom arremesso de longa distância. Além dele, os aspectos físicos também contam muito — jogadores longilíneos e com boa envergadura de braços é muito importante para o desenvolvimento do atleta nesta posição.
Podemos incluir nesse aspecto o ala pivô, já que, atualmente, essa posição está mais ligada a posição 3, do que propriamente à posição 5. As mesmas características do ala são atributos da posição 4 e, na base, isso é muito aparente. A diferença fundamental é no pick and roll, onde a função do 3 geralmente é a do driblador e a do 4 é de bloqueador.

Pivôs: a posição de pivô é uma situação em que os técnicos procuram ter cuidado na base, já que não se quer especializar muito cedo um jogador grande e com potencial vai se tornar um 3 ou 4 desde cedo. Mas basicamente, a tendência que tenham sucesso jogadores grandes e fortes, que são reboteiros e bons jogadores de pick and roll.

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Central do Draft – E o outro lado da moeda? Não são raros os casos em que um jogador de destaque na categoria de base acaba não repetindo a mesma trajetória entre os profissionais. Quais são os sinais que você observa para identificar que determinado jovem atleta não irá traduzir seu jogo de maneira tão efetiva para o jogo adulto?

Fábio Pellanda – A própria questão do nível do jogo do adulto para um atleta que sai do sub-19 algumas vezes é um fator limitante para o jovem. As leituras de jogo são mais complexas, e os jogadores que levavam vantagem física, independentemente da posição em que atuavam, tem esse ponto igualado ou até mesmo ficam em desvantagem em relação ao profissional.

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A demora para o atleta ter espaço no profissional influencia muito nessa questão, e aí a falta de um maior número de equipes adultas, de uma segunda ou terceira divisão contribuíram muito para solucionar esse aspecto.

Penso também que a especialização prematura seja um dos aspectos limitadores. Isso ocorre quando o atleta é direcionado para o treinamento de habilidades especializadas, como citei acima no exemplo dos pivôs, sem que as habilidades e capacidades fundamentais e ‘holísticas’ do jogo tenham sido desenvolvidas.

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Central do Draft – Pra você, quais são as principais lacunas dos jogadores formados no Brasil — que deveriam receber mais atenção dos responsáveis pelo desenvolvimento dos jovens atletas do país?

Fábio Pellanda – No geral, penso que nossos atletas precisam de mais recursos técnicos nos fundamentos e cabe a nós, técnicos, desenvolvê-los pensando no nível internacional.
Acredito que houve uma evolução muito no grande dos técnicos nesse pensamento nos últimos anos, para isso também é necessário aumentar a competitividade dos campeonatos de base até o NBB e maior intercâmbio internacional.

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Alguns exemplos se refletem na posição de armador, boa parte das equipes do NBB recorre a atletas estrangeiros nessa posição. Vejo que, na base, temos muitos armadores finalizadores e poucos com capacidade de jogar pick and roll, o que os leva a atuar na posição 2 entre os profissionais.

Um fator que vejo em todas as posições é que não temos atletas com grande capacidade de acertar arremessos de três pontos. Não temos jogadores com regularidade nesse fundamento, por isso que citei o caso da posição do Marquinhos, que hoje temos dificuldade em repor na seleção.

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